Ao lembrar do nascimento de Nise da Silveira, que se está fisicamente entre nós estaríamos completando 116 (cento e dezesseis anos de uma existência de luta, de estudos, de pesquisa de trabalho em prol de uma medicina psiquiatra, que soube combinar terapia ocupacional, a arte da pintura, com estudos envolvendo a psicologia, e estabelecendo um humanismo no trato com a saúde mental, na reintegração deste doente a sociedade.
Nise da Silveira é uma figura histórica do Brasil, que nasceu em 15 de fevereiro de 1905 em Maceió-AL, e viveu intensamente para toda a ciência médica até que aos 94 anos de vida após sofrer uma pneumonia e talvez pelo peso da idade, sofreu com uma insuficiência respiratória e veio a falecer em 30 de outubro de 1999 no Rio de Janeiro no Hospital de Miguel Couto. Porém esses noventa e quatro anos de vida foram magistral e o brasileiro precisa sim tê-la como referência histórica, personalidade, de dedicação uma causa reconhecida internacionalmente não apenas por seus livros mas pelos métodos empregados no trato com o paciente de doenças mentais.
E falar de Nise da Silveira é passar a entender como escrevi um dia um texto escrito pela Doutora em Direito Sra. Tamara Arianne Gallo da Silva, que fala no tratamento psiquiátrico a luz dos Direitos naturais, e na Reforma da Psiquiatria e os Direitos Humanos na defesa universal e na garantia ao tratamento humanizado.
Nise era filha de Faustino Magalhães da Silveira, um professor de matemática e jornalista, diretor de um jornal em Alagoas e sua mãe a Sra. Maria Lídia da Silveira uma pianista. Nise teve uma sua formação educacional num colégio para meninas chamadas de Colégio Santíssimo Sacramento de Maceió uma instituição católica de freiras, para uma menina muito estudiosa e mais tarde prestou o vestibular e passou em medicina na Faculdade de Medicina da Bahia aos 21 anos na qual estudou de 1926 a 1931. Sendo a única mulher a formar-se em medicina de uma turma de 157 (cento e cinquenta e sete homens).
Casou-se com um colega de turma de Mário Magalhães da Silveira, com quem viveu até 1986, quando este faleceu, um relacionamento em que não teve filhos. Pois ambos desejaram dedicar-se inteiramente a medicina. Mário era um sanitarista e publicava artigos que apontava a relação entre a pobreza, desigualdade, promoção da saúde, e prevenção da doença no Brasil. O casal mudou-se para o Rio de janeiro para uma melhor oportunidade de trabalho.
Nise fez especialização em psiquiatria e em 1933 havia terminado a sua pós-graduação foi estagiar na clínica neurológica de Antonio Austragésilo. E em seguida participada de um Concurso público e depois a trabalhar no serviço de Assistência Psicopata e profilaxia mental do Hospital da Praia Vermelha.
Começou a militar no Partido Comunista Brasileiro e foi uma das pouco mulheres a assinar "O Manifesto dos Trabalhadores intelectuais ao Povo Brasileiro" Foi expulsa de sua célula sob a alegação de trotskismo. Porém lembrar que no Processo revolucionário desencadeado pela Aliança Nacional Libertadora -ANL, Nise da Silveira acabou sendo presa após denúncia de uma enfermeira que lhe dedurou que ela possuía materiais marxistas como livros. E por isto em 1936 esteve na prisão com Olga Benário, a esposa de Luís Carlos Prestes que foi entre Getúlio Vargas a Gestapo e vale informar de maneira ilegal, pois era uma mulher judia mas casada com um brasileiro e gestante esperando uma criança. Teve assim contato também com Graciliano Ramos, que escreveu uma Memória do Cárceres, na qual Nise é uma das personagem de seu livro que mais tarde virou filme e também foi tema da novela Kananga do Japão. Porém foi no ano de 2015 que o cinema realizou o filme "Nise o coração da Loucura", que estreiou em 2016, baseado num momento de sua vida foi que ela ficou popularmente conhecida do grande público. Foi uma obra cinematográfica dirigida por Roberto Berliner, com a música de Jacques Morelenbaum, num roteiro de Roberto Berliner, Mauricio Lissovski, Chris Alcazar, Mario Camargo, Patrícia André e Leonardo Rocha, como atriz principal fazendo um personagem Gloria Pires, e Simone Mazzer.
Entre 1936 a 1944 permaneceu na semiclandestinidade, afastada do serviço público, por sua atuação política. Um período em que foi estudar o filósofo Spinoza e escreveu o livro Carta a Spinoza e que só foi lançado em 1995. No ano de 1944 reintegrou-se Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II no Engenho de Dentro no Rio de janeiro retoma a luta contra as técnicas da psiquiatria, que consideram agressiva e desnecessária aos pacientes. E por sua discordância com os métodos utilizados nas enfermarias, recusando a aplicar o eletro- choque nos pacientes. Por isto ela foi transferida para a terapia Ocupacional, atividade então menosprezadas pelos médicos. Em 1946 o fundo instituição instituição a seção de terapia ocupacional. E em 1952 fundou o Museu de Imagem do Inconsciente no Rio de Janeiro, um centro de estudos e pesquisas destinado a preservação dos trabalhos obtidos em estúdios de modelagem e pintura que criou na instituição valorizando como documentos que abririam novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico. Este acervo alimentou a escrita de seu livro a imagem do inconsciente.
Outro projeto foi a Casa das Palmeiras para reabilitação de antigos pacientes das instituições psiquiátricas. Usando a criatividade, trabalho o trabalho externo na etapa hospitalar e a reintegração do paciente a sociedade.
Organizou no Brasil os primeiros estudos junguianos, escreveu com mandalas e artes plásticas e em 1954, escreveu Carl Gustav Jung tendo iniciado uma trocas de correspondências. E Jung estimulou-a inclusive numa amostra que chamou-se a A arte e a Esquizofrenia que ocupou cinco salas no II Congresso Internacional de Psiquiatria.
Nise foi estudar no Instituto Carl Gustav Jung em dois período 1957 a 1958 e 1961 a 1962 com supervisão de Marie Loiz Von Franz assistente de Jung. Foi membro fundadora da Sociedade Internacional de Expressão Psicopatológica sediada em Paris e seus estudos contribuíram imensamente para a ciência do tratamento psiquiátrico. Com exibição de filmes, documentários, audiovisuais, cursos, suportes publicitários e relações.
Por seu trabalho foi agraciada com diversas condecorações, títulos e prêmios em diferentes áreas do conhecimento entre outros, tais como;
a) Ordem do Rio Branco no Grau Oficial pelo Ministério das Relações Exteriores (1987)
b) Prêmio Personalidade do ano de 1992, da associação dos Críticos de Artes
c) Medalha Chico Mendes do Grupo Tortura nunca Mais- 1993
d) Ordem Nacional do Mérito Educacional pelo Ministério da Educação e dos desportos 1993.
Suas ideias inspiraram centros culturais e institutos terapêuticos como:
a) Museu Bispo do Rosário da Colônia Juliano Moreira
b) Centro de Estudos Nise da Silveira de Juiz de Fora _MG
c) Núcleo de Atividades Expressivas Nise da Silveira do Hospital Psiquiatrico São Pedro de Porto Alegre-RS
d) Espaço Nise da Silveira - Recife
e) Associação Nise da Silveira de Salvador -BA
f) Centro de Estudos Imagem do Inconsciente - Porto - Portugal
g) Associação Nise da Silveira - Paris - França
h) Museu Attivo delle Forme Incomepevoli -renoemeado de Museattivo Claudio Costa- Itália
Em 2015 ela foi incluída na lista das grandes mulheres do Mundo.
O pesquisador universitário João A Fraize -Pereira em seu estudo avançado com o título Nise da Silveira imagem do inconsciente entre o psicológico, a arte e a política. E retomar assim "..que a historia de vida de Nise é como à luz do complexo campo simbólico e que a sua obra de maior invergadura inaugura o Museu da Imagem do Inconsciente, campo de passagem entre o hospício e o mundo das artes. museu é analisado num eixo de articulação entre o psicológico, o artístico e o político. É considerado o impacto da arte bruta sobre o próprio criador e sobre o olho do espectador.
O estudioso universitário Luís Gonzaga Pereira Leal converso, entrevistou Nise sobre a ideia do Mito e essa conversa está anexada neste ensaio. Sendo LG o proprio Luís Gonzaga e NS a resposta de Nise Silveira.
LG - O que é Mito?
NS - Quem é que sabe. É a expressão do inconsciente, digamos assim. O mito é como uma espécie de trilha. Se você partir do mito, você chega onde quiser.
LG - Você é uma pessoa que está bastante entusiasmada com o mito de Dionísius ...
NS - Não só pelo mito de Dionísius. Sou também entusiasmada por todos os mitos, inclusive pelo mito de Dafne, sobre o qual tenho um trabalho que encontra-se publicado no livro "Imagens do Inconsciente". Os mitos egípcios também. Uma barca do sol, que aparece nos desenhos de Carlos Pertins. Pouco antes dele morrer, ele pintou o sol num barco. E os egípcios viam o sol todos os dias fazer a volta da terra num barco. O sol, à noite, combatia com dragões terríveis. Não queriam que ele renascesse.
LG - Nos fale um pouco sobre o mito de Dionísius.
NS - Ah! O mito de Dionísius é de grande complexidade. Há várias versões desse mito. Há uma versão na qual ele é apresentado como filho de Deméter, segundo uns, ou de Penepólis, segundo outros. E há o mito mais corrente que narra Dionisius como filho de Senele que era filha de um rei; era uma mulher mortal. Dionísius é Filho de Deus freiras mitos; Filho de uma mulher mortal noutros. Cheguei a escrever um trabalho sobre Dionísius, motivada pelas pinturas de internatos do Hospital de Engenho de Dentro. É importante saber que, quando o consciente está sufocado pelo inconsciente, uma pessoa passa a comunicar através da linguagem dos mitos. Foi por isso mesmo que Jung me sugeriu: "Se você não conhece os mitos jamais entendeu os delírios dos pacientes, nem tampouco as imagens que eles pintam". Disso isto em resposta à minha queixa, de que eu estava muito insatisfeita com o trabalho no Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro. Eu buscava uma outra coisa. Isto foi por ocasião do II Congresso Mundial de Psiquiatria em 1957, cujo tema central era uma esquizofrenia. Fazia parte desse Congresso uma sessão de pinturas e expressões plásticas. Então eu levei um material daqui. Quer dizer: dos internos do Hospital de Engenho de Dentro. Eu já tinha estudado um pouco de Jung, mas não tinha me aprofundado, nem me familiarizado com uma linguagem do inconsciente, uma linguagem mística que ele tanto preconiza e acha indispensável para que o médico possa atender e, portanto, entrar em relação com o doente através de uma linguagem comum. Isto foi por ocasião do II Congresso Mundial de Psiquiatria em 1957, cujo tema central era uma esquizofrenia. Fazia parte desse Congresso uma sessão de pinturas e expressões plásticas. Então eu levei um material daqui. Quer dizer: dos internos do Hospital de Engenho de Dentro. Eu já tinha estudado um pouco de Jung, mas não tinha me aprofundado, nem me familiarizado com uma linguagem do inconsciente, uma linguagem mística que ele tanto preconiza e acha indispensável para que o médico possa atender e, portanto, entrar em relação com o doente através de uma linguagem comum. Isto foi por ocasião do II Congresso Mundial de Psiquiatria em 1957, cujo tema central era uma esquizofrenia. Fazia parte desse Congresso uma sessão de pinturas e expressões plásticas. Então eu levei um material daqui. Quer dizer: dos internos do Hospital de Engenho de Dentro. Eu já tinha estudado um pouco de Jung, mas não tinha me aprofundado, nem me familiarizado com uma linguagem do inconsciente, uma linguagem mística que ele tanto preconiza e acha indispensável para que o médico possa atender e, portanto, entrar em relação com o doente através de uma linguagem comum.
LG-Jung, para Você foi uma pista ou um mestre?
NS - As duas coisas. Une mestre e pista.
LG- No entanto Você não é apegada exclusivamente a ele ...
NS - Ah! Claro. Eu tenho um encanto por Laing. Porque o que caracterização meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo pela psiquiatria, meu apego ao que se chama de psiquiatria, é uma pesquisa do mundo interno do processo psicótico. Do that se passa no mundo interno do psicótico, sem desprezar naturalmente o mundo externo, porque nós vivemos simultaneamente em dois mundos, o mundo externo e o mundo interno. Mas o que acontece é que a maioria dos psiquiatras, mesmo atualmente, só valorizam o mundo externo. O movimento Baságlia, que eu aprecio, e estou de acordo de que estes velhos manicomônios que se parecem prisões sejam implodidos, é um movimento que ao meu ver não se ocupa do mundo interno do paciente.
LG - Quer dizer que uma proposta de organização do mundo externo do paciente pouco adianta se o mesmo internamente não possui uma organização?
NS - Não só isto. Ele, o paciente, não entende a linguagem do mundo externo. Eu parto sempre do que o doente diz, escuta ou faz. Nem sempre considera o que os livros falam. Nem mesmo os de Jung. No entanto, há uma grande coincidência no que o doente faz, sente e fala e o que Jung ensina. Por exemplo: Fernando Diniz em certa ocasião falou: "mudei para o mundo das imagens". Fernando era o único animais nossos pacientes que tinha uma cultura maior. Estava fazendo o colegial quando adoeceu. E tinha um racional desenvolvido; entretanto, ele se espantou com suas imagens devido a problemas emocionais. O inconsciente invadiu esse mundo onde racional ele vivia. Então ele diz espantado: "mudei para o mundo das imagens. As imagens tomam a alma da pessoa". Se o próprio doente diz que está tomado pelas imagens, porque você vai continuar buscar entendê-lo exclusivamente através de uma linguagem racional? Ele não vai te entender. Se importa ele em responder: que horas são? que dia é hoje? E outras perguntas semelhantes do mundo externo valorizadas pela psiquiatria tradicional. No prontuário de Fernando Diniz, muitas vezes encontrei escrito: desorientado no tempo e espaço. Entretanto Fernando Diniz lia livros de física atômica. Muitas vezes ia a livrarias acompanhadas de um estagiário e escolhia livros. Entretanto Fernando Diniz lia livros de física atômica. Muitas vezes ia a livrarias acompanhadas de um estagiário e escolhia livros. Entretanto Fernando Diniz lia livros de física atômica. Muitas vezes ia a livrarias acompanhadas de um estagiário e escolhia livros.
LG - Voltando a Dionísius. Como você encara a manifestação de Dionísius na atualidade?
NS - Eu vejo que Dionísius está presente, muito presente na atualidade. Mas vejo também que não é o Dionísius dos mitos, nem Dionísius de Netzsche. Ele é um Dionísius muito sombrio, porque um componente "mal" da psique parece que está solta. E essa é a tese que o grupo de estudo atualmente está empenhado em estudar com relação aos meninos de rua. Estuda-se o aspecto social, mas o aspecto social só não dá para explicar tudo. A componente profunda que existe em todos nós -a componente psíquica - está desabrida. Essa componente, segundo Jung, é um dos complexos de oposições, daí ele estuda em um livro perturbador, onde relembra da Bíblia todos os sofrimentos de Jó e os atribui à ausência de um elemento fundamental da psique, que é o elemento feminino, que é a Sófia. Este é um período muito sem amor, muito sem compaixão.
LG - Nesta caso Você entende que o caos, essa turbulência pela qual o mundo está passando, é também uma manifestação de Dionísius "mal"?
NS - Não digo do Dionísius. Dionísius será sempre uma figura manchada pelo mal. Não totalmente. Muito do Dionísius sadio persiste, felizmente.
LG - Como? Em que sentido?
NS - Na música, na dança. Ai de nós se uma grande parte de Dionísius sadio não permanecesse viva. Uma parte do componente "mal", que existe em todos nós, anda se sobressaindo e solta, sem que as outras partes se entrosem e aceitem o mal. Temos de aceitar o mal, mas não deixar-lo solto um ponto de sufocar como outras componentes da psique que são o bem.
LG - Ontem, falávamos sobre os meninos de rua e Você dizia de sua admiração por Joãozinho Trinta ...
NS - Admiro Joãozinho Trinta, porque ele é um grande sacerdote de Dionísius. E porque ele procura nesse apoio, nesse amparo que ele dá a tantas crianças de rua, alegria e afeto. Pelo que eu leio, as oficinas de trabalho dele com os meninos são preparos para o carnaval. Enquanto ... se você for a um CIESP, não sei, nunca fui, é uma hipótese, pode estar uma professora, talvez áspera, demasiado racional. Não é que eu preconizo o apagamento do racional, mas é preciso que o afeto não seja esvaziado.
LG - Você entende o afeto como uma mola propulsora em tudo ...
NS - Exatamente. Uma mola propulsora em tudo.
LG - E me parece que este foi um dos grandes dilemas que você teve com a psiquiatria: a forma como Você encaminhava o seu trabalho centrado nos afetos, nas canalizações dos afetos e criando assim uma atmosfera afetiva na qual os pacientes pudessem viver ...
NS - O meu desencanto com a psiquiatria é pela grande marca que ela tem do cartesianismo.
LG - E a psicanálise?
NS - A psicanálise é o grande elemento de abertura para o inconsciente. Freud era um grande conhecedor dos mitos. Freud sabia muito sobre mitos, mas alguma coisa o amarrava. Não sei exatamente o quê. Ele caminhava, enxergava o mito que estava por traz do problema, mas parava. Ele conhecia muito bem. Em "Moisés e o Monoteísmo", ele faz referência ao inconsciente filogenético, mas não avança. A interpretação do ponto de vista sexual tinha tamanha força que isto o segurava. É isso que você encontra em todas as interpretações dele. Por exemplo: não estudo que ele faz sobre Leonardo Da Vinci, ele vem como duas mães, Catarina e Dona Albiera. A relação dele com Catarina, a mãe ... Em seguida entra em cena a fantasia que ele acha: Leonardo conta como um sonho, mas que ele acha que não foi um sonho, foi uma fantasia, uma imaginação. Ele associa o seio de Catarina ao fálus e faz então um Leonardo uma certa suspeita de homossexualidade. Pelo menos uma atração, não propriamente uma prática. Freud não se refere a uma prática homossexual, mas uma atração pelo homem. Em um dos meus livros, faço duas leituras do quadro de Leonardo da Vinci. Uma freudiana e outra jungiana. Como duas mães aparecem como um tema mítico. Então me dirijo ao mistério de Eneusis, onde estão presentes Demeter, Persefona, e Dionísius. É aí que nascem os mistérios. Como duas mães aparecem como um tema mítico. Então me dirijo ao mistério de Eneusis, onde estão presentes Demeter, Persefona, e Dionísius. É aí que nascem os mistérios. Como duas mães aparecem como um tema mítico. Então me dirijo ao mistério de Eneusis, onde estão presentes Demeter, Persefona, e Dionísius. É aí que nascem os mistérios.
LG - Você andou estudando também o Reino das Mães. Que se trata este estudo?
NS - Estudei sim. Também levada pelos trabalhos dos doentes. Eu prefiro ser conduzida pelo doente. Nas suas produções plásticas pude encontrar mães que vão desde o Neolítico até hoje. Uma doente de nome Adenina, está estudada no livro "Imagens do Inconsciente", através do mito de Dafne. Neste caso pude encontrar como mães do Paleolítico. Mães terríveis, que vão se desdobrando. Elas abrem o peito, mostra o coração e Você chega finalmente ao representante da nossa civilização, a mãe Maria e caminha-se sim para uma salvação, para Sofia. Na Bíblia, você encontra Sofia antes da criação do mundo e Jung acha que o período de Jó simboliza bem, como Deus permite, e muita gente diz, que aconteçam tantas desgraças. Jung, em seus trabalhos, valorizou bastante o princípio feminino. Sobre a Trindade, que conduz do dogma da assunção de Maria.
LG - Ultimamente Você tem manifestado uma certa antipatia pelo nome Terapia Ocupacional. Eu te pergunto: a antipatia é pelo nome em si ou à prática?
NS - Naturalmente pela prática, e isso também eu aprendi com os doentes. Em Terapia Ocupacional exigia-se que os doentes arrumassem, limpassem e varressem o Hospital. Exigia-se muito do doente. Disto eu sempre fui contra isso. Quando assume a direção da Terapia Ocupacional em 1994, mudei totalmente essa situação. Criamos oficinas, and nas oficinas os pacientes criavam com toda a liberdade.
LG - Acredito que essas mudanças na Terapia Ocupacional passaram não tanto pela Nise psiquiatra, mas pela Nise pessoa, Nise mulher ...
NS - Acredito também. Porque estas mudanças ocorreram muito antes de eu ter um contato maior com a psicologia Jungiana, com anti-psiquiatria. Pretendia que o paciente na Terapia Ocupacional tomasse conhecimento com a matéria. E, outra vez, um paciente me mostrou que eu estava no caminho certo, quando certa vez me ofereceu um coração em madeira e no centro do coração um livro aberto. Quando me ofereceu isso, eu disse: "um livro é muito importante, uma ciência é muito importante, mas se desprender do coração não vale nada". Tudo que eu sei de psiquiatria aprendi com eles.
LG - Você é uma pessoa preocupada em estudar literatura ...
NS - Eu sou uma pessoa que desde muito cedo cultivei o racional. Tanto que me apaixonei por Geometria. Meu pai era professor de Geometria. Cheguei a Spinoza através da geometria.
LG - Falando em infância, como foi a sua?
NS - Foi felicíssima. Filha única. Mimadíssima. Minha mãe, musicista, tangenciando a genialidade. Meu pai, um homem que lia muito matemática e literatura. Ele tinha uma boa biblioteca. E sendo assim, li Machado de Assis muito cedo.
LG - Você leu Machado de Assis por pai do pai ou por curiosidade?
NS - Porque minha professora de english me analise. Primeiro foi Camões, que eu odiei. As figuras todas de retórica que ela não ensinava procurei esquecer tudo e odiar. Depois eu fiz as pazes com Camões que é um grande poeta. De Machado o primeiro livro que eu li, estudando português, foi a "Cartomante". O irmão da minha mãe era poeta. Vivia em Recife. Era Pernambucano. Eu sou alagoana. Nasci em Maceió, mas minha mãe e meu pai são pernambucanos. De modo que um dos grandes prazeres meus na infância era irmos a Recife. Então, como não havia televisão nessa ocasião, todo mundo recitava Castro Alves, minha mãe chegou a musicar e cantava com uma bela voz de contralto. Meu avô também me fez perplexa. Lembro-me dele com uma toalha no ombro caminhando para o banheiro antes de ir para o emprego burocrático que ele exercia, recitando: "Vai Colombo. Abre a cortina de minha eterna oficina e tira a América de lá". Nunca havia pegado num livro, mas de tanto ouvir terminava decorando. Eu não entendia bem, "como é que se vai tirar a América?" Como será isso? (risos). Não perguntava a ele porque ele era uma pessoa austera. Certa vez perguntei a minha mãe e ela me revelou o livro.
LG - Falando em Recife, que recordações você guarda?
NS - Das minhas viagens.
LG - Por onde você transitava?
NS - Tenho lembranças não muitas. Uma era a irmã do meu pai que morava em Casa Forte. Algumas vezes, nos hospedávamos lá. Era a Campina da Casa Forte. Era um verde enorme. Então ficávamos lá, na casa de minha tia que tinha duas filhas. E havia o colégio da Sagrada Família, onde minha prima estudava pintura. Achava bonito. E a casa do meu avô, pai de minha mãe. Minha avó eu não conheci. Ele morava com uma filha solteira e um filho poeta que já aos 15 anos publicou um livro de versos. Ele teve vários filhos, entre eles um que era predileção minha e da minha família. Era escritor e chamava Léo. É em sua homenagem que este gato se chama Léo.
LG - Falando em fatos, você sempre esteve rodeada por eles. Como é sua relação com os gatos?
NS - Eu gosto muito de todos os animais. Admito muito o cão. Me sinto humilhada diante do cão. Respeito o cão, porque o cão tem uma qualidade que eu acho belicismo e da qual eu me sinto distante, que é uma capacidade infinita de perdoar. Dê um passo que se dê ele é fiel. Nunca se diz contar que um cão fizesse um "treta" com seu dono, ou que fosse infiel, que traísse sobre qualquer forma o seu dono. Eu tinha cães em Maceió, porque morava numa casa grande. Com relação aos gatos, de tanto vê-los na rua desamparados, eu ia apanhando e trazendo prá casa. Chequei a ter 23 gatos. O gato não tem essa capacidade de perdoar, como eu não tenho. Eles são muito especiais. No Hospital, introduzi os animais como ajuda para os doentes. Como co-terapêutas. Um analista americano, de quem eu tenho um livro costumava trabalhar com um cão no consultório. Como aliás Freud trabalhava com um cão no consultório; Jung trabalhava com um cão no consultório. Marie Lenize Von Franz, com quem eu fiz análise, trabalhava com um cão no consultório. Aqui o cão não entra nos lugares.
LG - Você teve o número de pessoas que não se compreendem bem o seu trabalho, no entanto, Você teve grandes aliados.
NS - Tive excelentes aliados. Tive Mário Pedrosa que foi um grande aliado e incentivador. Tive pessoas da imprensa. A imprensa me procedeu muito. No entanto, poucos médicos foram meus aliados.
LG - O Carlos Drumond de Andrade era também um grande admirador seu.
NS - Ele escreveu uma crônica muito interessante quando me aposentei, e quando foi fundada uma sociedade de amigos do Museu do Inconsciente. Foi preciso fundar uma sociedade, para que o Hospital não o destruísse.
LG - O Ferreira Gullar também ...
NS - O Ferreira Gullar foi um grande aliado, que era muito amigo de Mário Pedrosa. Ele quer escrever um livro sobre Emídio, que ele considera o maior pintor brasileiro. Cinco muitos aliados. Domitília Amaral, considerada a maior intérprete de Garcia Lorca no mundo.
LG - Vamos brincar um pouco?
NS - Vamos! Eu adoro brincar.
LG - Uma cor ...
NS - Minha cor predileta é o azul. E para surpresa minha, uma cor de que eu não gostava e passei a gostar, não sei se por causa de Artaud, Van Gog, Carlos Pertius, é o amarelo. O sol.
LG - Um livro ...
NS - É difícil. São tantos. Gosto principalmente dos livros de Machado de Assis.
LG-E a Bíblia?
NS - Gosto muito. Admiro bastante. E gosto muito de ver as aproximações e contrastes entre o Velho e o Novo Testamento. Uma imagem que me impressiona muito neste contraste é a atitude do Antigo Testamento em relação à mulher. Fazia parte da Lei mosaica, Moisés foi o legislador. A mulher adúltera era apedrejada até morrer. No Novo Testamento, você encontra uma cena que eu acho belissima. Jesus chega, está andando na rua, atravessando uma praça e está lá uma mulher amarrada para ser apedrejada. Então alguém explica: essa mulher vai ser apedrejada porque foi apanhada em adultério, e a lei ordena que ela seja apedrejada. Jesus olhou para os apedrejadores que estavam ali e perguntou: "Quem de vós está isento de culpa?" Então eles foram saindo de cabeça baixa.
LG - Um mito ...
NS - Dionísius.
LG - Uma flor ...
NS - A flor de sinete de Spinoza, na qual encontra-se escrito em latim: "Cuidado que eu tenho espinhos".
LG - Uma lembrança ...
NS - São tantas. Talvez a minha mãe sentada ao piano lá de casa, esperando que chegasse o sabiá; é um pássaro curioso. Hoje ele não subsistiria. As pessoas por muito menos matam os pássaros. O sabiá é boêmio. Não vai para o ninho cedo, e canta de noite. Minha mãe com as mãos no plano esperando que o sabiá chegasse para aprender a melodia do seu canto. Depois ela achou que estava tão próxima realmente do canto do sabiá que resolveu acompanhá-lo.
LG - Uma tristeza ...
NS - A morte do meu pai. Uma perda imensa. Era muito ligada a ele. Embora eu admirasse minha mãe por esse lado de artista dela, era com meu pai que tinha uma ligação mais estreita. Um édipo caprichado.
LG - Uma emoção ...
NS - São tantas. Ver por exemplo, um esquizofrénico que não se relacionava com pessoa alguma, vê-lo abraçado com um cão, mostrando que a afetividade está viva no esquizofrênico, enquanto os livros dizem que a afetividade está embotada. Uma estas fotografias, está no meu livro o "Mundo das Imagens".
LG - Uma saudade ...
NS - Da minha casa em Maceió. Até me lembro dos versos de um poeta que diz assim: "minha mãe, é em ti que eu penso, oh! Casa". Esse é um dos motivos porque eu me recuso a ir a Maceió, prá não ver essa casa.
LG - E se tem que voltar?
NS - Voltava certa de que ia ter uma emoção muito forte.
LG - É um tempo mítico?
NS - Acho que sim. Acho que Maceió prá mim é um mito. Uma cidade mítica que estragaram completamente querendo imitar Copacabana. Eu adoro Maceió. Tenho medo de ir a Maceió.
LG - Quais são os teus medos?
NS - Não sei morrer como um gato, embora a morte propriamente não me faça medo. É não saber como morrer como os gastos sabem. É isso que peço que eles me ensinem. Um gato, quando não quer saber de uma pessoa, levanta a cauda e sai. Não parece que estamos com emoção de raiva como eu fico às vezes. Desprezo. Sutileza completa. Eles são grandes mestres.
LG - Uma personalidade ...
NS - Todo mundo é uma personalidade. Dessas que um pouco que você encontra a personalidade. Como as pessoas geralmente vivem recobertas pela Persona, que é a máscara do ator. As pessoas representam com as roupas do ator.
LG - Uma música ...
NS - Resumindo eu diria: "As quatro estações" ou então, o canto do sabiá.
LG - Prá encerrar o que Você gostaria de dizer.
NS - Gostaria de dizer que o mal que está solto no mundo atualmente, dentro da complexidade da psique, recuasse um pouco, diante dos seus opostos.
LG - Esse mal está em todos nós.
NS - Em todos nós e nunca será destruído.
Depois disso, tomamos conhecimento das aberrações do Ministério da Saúde do novo Governo de Jair Bolsonáro que fala na volta dos eletro-choques, ea tortura desumanizada dos manicômios um vergonha que estava no passado, um horror para as famílias de quem tens doentes, precisando de atendimento a saúde mental e que eles querem que sejam encontrados em um todo o tipo de tortura, em desacordo com todo o avanço que já encontrou no campo da psiquiatria. E somado a isso adota o discurso que reforça a guerra às drogas e, consequentemente, a criminalização do usuário de drogas bastante amparado pelo racismo estrutural. E tudo isto é triste porque é o desrespeito aos seres humanos pacientes e seus familiares.
É a questão é que vivemos tempos de perversidade, sombrios em que o ódio foi estimulado, estamos a procura da esperança e a certeza que todo o horror vai passar, como dizia a música de Chico Buarque de Holanda.
Manoel Messias Pereira
professor de história, cronista e poeta
Membro do Coletivo Minervino de Oliveira de São José do Rio Preto- SP
Membro da Academia de Letras do Brasil - São José do Rio Preto-SP e Uberaba-MG.
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